Júri popular na Justiça Federal sobre o 'caso Manoel Matos' é inédito no Brasil
Mãe de Manoel Matos cercada por repórteres
Quatro anos e dez meses depois, Dona Nair Ávilla não conseguiu conter suas lágrimas, nos dez primeiros segundos de entrevista. Mãe do advogado Manoel Bezerra de Mattos Neto, morto por pistoleiros, em janeiro de 2009, no município de Pitimbu, no Litoral Sul da Paraíba, ela tentou resumir a dor que sente: “Eles não acabaram com meu filho. Acabaram com minha vida”.
Dona Nair não mora mais da Paraíba e vive sob uma permanente escolta policial. Na entrevista que concedeu na sede da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional da Paraíba, na manhã desta quinta-feira (14), recebeu a proteção de seis homens da Companhia Independente de Operações Especiais da Polícia Militar de Pernambuco. Todos armados com pistolas, metralhadoras e com coletes à prova de balas.
Ela voltou à Paraíba para acompanhar o julgamento dos cinco acusados da morte do filho, marcado para ocorrer nesta segunda-feira (19), no Fórum da Justiça Federal em João Pessoa, a partir das 9h. São réus no processo: Flávio Inácio Pereira, Claudio Roberto Borges, José Nilson Borges, José da Silva Martins e Sérgio Paulo da Silva. Havendo condenação, a pena varia de 12 a 30 anos de reclusão.
Crime anunciado
Na época do assassinato, Manoel Matos era assessor jurídico do deputado federal Fernando Ferro (PT-PE), vereador mais votado da história do município de Itambé, cidade pernambucana que fica próxima à Pedras de Fogo, na divisa da Paraíba, a 53 km de João Pessoa. Matos também era vice-presidente estadual do Partido dos Trabalhadores em Pernambuco. Ele atuava no enfrentamento dos grupos de extermínio, que tiveram a ação denunciada em Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), da Câmara dos Deputados, em 2005.
Em 27 de outubro de 2010, o Superior Tribunal de Justiça acolheu o pedido da Procuradoria Geral da República de federalização do processo sobre a morte de Manoel Mattos.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot Monteiro de Barros, designou os procuradores Alfredo Carlos Gonzaga Falcão Júnior e Fabrício Carrer, lotados em Campina Grande (PB) e Bauru (SP), respectivamente, para atuarem em conjunto com o procurador Marcos Alexandre Bezerra Wanderley de Queiroga, na sessão de julgamento do Tribunal do Júri, da próxima segunda, referente à ação penal nº 0001006-21.2011.4.05.8200, em trâmite na 2ª Vara de João Pessoa.
Com a federalização, o caso foi retirado da Justiça Estadual e transferido para a Justiça Federal da Paraíba. O pedido foi aceito pelo STJ em 4 de dezembro de 2012. O processo foi incluído no ‘Programa Justiça Plena’, com a tramitação sendo acompanhada mais de perto pela Corregedoria Nacional de Justiça. Na prática, será o primeiro caso em todo o país. “Se não houvesse a federalização, sequer tinha sido pronunciado”, acredita a promotora pernambucana Rosemary Souto Maior, que na época do crime, atuava na Comarca de Itambé e era amiga pessoal de Manoel Matos. Ela também anda protegida por PMs.
Um caso parecido iria ocorrer durante a apuração do assassinato da religiosa norte-americana Dorothy Stang, no Pará. Em 8 de junho de 2005, a Terceira Turma do STJ já havia negado, por unanimidade, o pedido da Procuradoria Geral da República para que a ação que investigou o crime contra Stang fosse julgada na Justiça Federal do Pará.
Reação internacional
O ineditismo do ‘Caso Manoel Matos’ chamou a atenção da Justiça Global e da Organização dos Estados Americanos (OEA). Observadores dessas duas entidades confirmaram ao representante da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Percílio de Sousa Lima Neto, que estarão em João Pessoa acompanhando esse julgamento. O advogado, que deixou a vice-presidência do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) há um mês, já está na Capital paraibana e acompanhou a entrevista da mãe de Manoel Matos.
Para ele, as denúncias da existência de grupos de extermínio, 'na fronteira do medo', foram o estopim para a execução do advogado em território paraibano. “A Corte Interamericana de Justiça requisitou as medidas protetivas do Estado, mas, quando o advogado foi morto, elas não estavam ocorrendo”, disse Percílio, que aponta a federalização como a razão para agilidade do julgamento pela Justiça brasileira.
Esperança
O júri será composto por sete pessoas, das 25 escolhidas, no último dia 4, pelo presidente do Tribunal do Júri na Justiça Federal, com a participação do Ministério Público Federal na Paraíba.
Com uma lista do Tribunal de Justiça da Paraíba, constituída em 2012 e em curso na comarca de João Pessoa este ano, a fase de sorteio de jurados para o julgamento instaurou etapa que antecede a sessão do dia 18. A lista da Justiça Estadual foi utilizada pela Justiça Federal em razão da falta desse tipo de lista na esfera federal.
Dona Nair Ávilla confia que haverá condenação dos acusados. “Espero que a Justiça seja feita, por isso lutei para que o crime fosse federalizado. Existem pessoas apontadas como executores que fazem parte da Polícia da Paraíba. Em todas as profissões existem 'laranjas podres'. Uma dessas 'laranjas podres' levou meu filho para morar com Nosso Senhor Jesus Cristo”, disse.
Emocionada, ela relatou que, no dia anterior à morte do filho, o advogado repetiu o orgulho de ter sido a primeira criança a nascer na maternidade da cidade de Itambé, revelando-lhe que tencionava disputar o cargo de prefeito do município. “Sou o que sou hoje porque deve tudo à senhora”, teria dito à Dona Nair.
Itambé, município da Zona da Mata de Pernambuco, tem uma população estimada em pouco mais de 36 mil habitantes. na parte paraibana, fica a cidade de Pedras de Fogo, que tem pouco mais de 27 mil moradores, localizada no Litoral Sul, mesma região de Pitimbu, com 17,5 mil habitantes, onde ocorreu o assassinato do advogado. A divisa é citada pelos defensores dos direitos humanos como 'fronteira do medo'. Segundo Percílio de Sousa, mais de 200 homicídios nesse perímetro geográfico "permaneceram sem autoria nem responsabilização”.
Da Redação com Hermes de Luna
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