sábado, 12 de novembro de 2011

Promotor de Justiça tem que ser radical


Promotores de justiça novatos na carreira amiúde são alvos de críticas por parte de (alguns) colegas mais antigos - a grande maioria, ao que parece, já desiludida, desmotivada, tíbia de ideal, superficial, enfim, burocrata - pelo simples fato de atuarem de forma aguerrida, que buscam combater desde os pequenos até grandes ilícitos nesta Terra de Santa Cruz, movidos por um ideal sublime: lutar (buscar) por uma sociedade mais justa, combatendo não só pés descalços mas também figurões. São, por isso, apodados por radicais.

Talvez os promotores (burocratas ou lights), de tanto nadarem contra a maré - de verem a injustiça sobejar -, sejam os criadores do aforismo: "os incendiários de hoje serão os bombeiros de amanhã". Isso não passa de decretação da desilusão.

Fato é que estamos diante dum mundo de trevas a escurecer o sonho de cada um, e pouca luz para iluminar a esperança que não deve, nem pode desaparecer. Nas palavras do filósofo José Ingenieros, em O Homem Medíocre (1928): "sem sombra, ignoraríamos o valor da luz".

Ensinou ainda o grande Ingenieros: "os idealistas românticos são exagerados, porque são insaciáveis. Sonham mais, para realizar o menos; compreendem que todos os ideais contêm uma partícula de utopia, e perdem alguma coisa, quando os realizam: de raças ou indivíduos, nunca se integram como se pensam. Em poucas coisas o homem pode chegar ao ideal que a imaginação assinala: sua glória está em mandar em direção dele, sempre inatingido e inatingível." Em seguida, arrematou: “Quando colocamos a proa visionária na direção de uma estrela qualquer e nos voltamos às magnitudes inalcançáveis, no afã de perfeição e rebeldes à mediocridade, levamos dentro de nós, nesta viagem, a força misteriosa de um ideal. Quem deixa essa força se apagar, ficando simplesmente inerte, não passa da mais gelada bazófia humana. (...) O ideal é um gesto do espírito em direção a alguma perfeição”.

Enfim, todo ideal é exagerado. Precisa sê-lo.

Aliás, aos que crêem, o criador vomitará os mornos! Está lá no Apocalipse (3:15-16): "Conheço tuas obras: não é frio nem quente. Oxalá fosses frio ou quente! Mas, porque és morno, nem frio nem quente, estou a vomitar-te de minha boca". Ditado cristão que, de fato, colide frontalmente com a corrente e moente frase latina virtus consistit in medio. A virtude está no meio. Nem tanto, nem tão pouco. Tão mau é o sobejo como o minguado. In medio consistit virtus. Virtus in medio.

A razão parece estar com o filósofo chinês Confúcio, quando advertiu: "Eu sei por que motivo o meio-termo não é seguido: o homem inteligente ultrapassa-o, o imbecil fica aquém".

Daí que para não ser morno é preciso ser radical.

Cuidado: não confunda radical com sectário, pois são coisas distintas. Radical é aquele que se firma nas raízes, despido de convicções rasas, superficiais, medíocres. Melhor elucidando, radical é aquele que pauta suas ações e posturas pela solidez, liberto da indefinição dissimulada e das certezas medíocres. Noutro viés, o sectário é o que é parcial, intransigente, faccioso, é dizer, aquele que não é capaz de romper com seus próprios contornos e dirigir o olhar para outras possibilidades. É o medíocre.

Trocando isso em miúdos: radicalidade é uma virtude; o vício está no sectarismo, na superficialidade.

A sociedade brasileira já não aguenta mais. Está faminta de promotores de justiça radicais, que sejam realmente instrumentos de transformação social.

É verdade que os membros do Ministério Público precisam ter determinação e paciência. Muitas vezes será necessário voltar ao ponto de partida e recomeçar tudo de novo. As coisas não caem do céu. Está em Camões: “As coisas árduas e lustrosas só se alcançam com trabalho e com fadiga”.

Vale, pois, a lição motivadora de Magalhães de Noronha: “No Ministério Público, qualquer cargo é de sacrifício e lutas onde se apresente o Promotor de Justiça – denominação que hoje abrange a de curador – haverá sempre um combate, para que triunfe a justiça e impere a lei. Quando outros se entibiam e vacilam, arroja-se e porfia o Promotor, não arrefece seu ímpeto o retraimento de alguns; não o aterroriza o poder dos fortes, porque ele se bate por um ideal superior e, nesse terreno, só ouve os ditames da consciência e só se inspira no cumprimento do dever. Esse dinamismo do Ministério Público melhor se destaca em confronto com a Magistratura, cujas excelsas funções não exigem a combatividade daquele, porque a imparcialidade, nota mais bela e difícil da arte de julgar, exige do magistrado imobilidade, de modo que evite as suspeitas que adviriam de um excesso de iniciativas. Contrastando com esse imobilismo, o Ministério Público deve ser eminentemente pugnaz, sua qualidade suprema, sem a qual seriam inúteis as demais, é o espírito de luta. Sem o destemor e a pugnacidade para arrostar os perigos, para enfrentar os riscos de que são pródigos os combates incruentos do foro, jamais cumpriria ele sua missão”. (In Direito Penal, vol. I, Saraiva, 12ª edição, pág. 351)

De tal arte, torna-se de rigor que alguns "velhos" promotores sejam renovados pela mocidade, pelo ideal e espiríto de luta do jovem promotor de justiça, deixando a comodidade e a burocracia de lado para atuarem com denodo, como verdadeiros protagonistas das mudanças sociais. Do contrário, de bom alvitre é a aposentadoria para o bem da sociedade brasileira.

Abaixo, então, a mediocridade e a comodidade!

Por César Danilo Ribeiro de Novais, promotor de justiça/MT.

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