quinta-feira, 12 de abril de 2012

O ESTUPRO DO STJ, O CAMPONÊS E O SINO DE FLORENÇA


"Cada vez que morre é como se nunca houvesse existido para aqueles que confiaram nela, para aqueles que esperavam dela o que todos temos o direito de esperar da Justiça: justiça, simplesmente justiça. Não a que se envolve em túnicas de teatro e nos confunde com flores de vã retórica judicial, não a que permitiu que lhe vendassem os olhos e alterassem os pesos da balança, não a da espada que corta sempre mais de um lado que do outro, mas uma justiça pedestre, uma justiça companheira cotidiana dos homens, uma justiça para a qual o justo seria o sinônimo mais exato e rigoroso do ético, uma justiça que chegasse a ser tão indispensável para a felicidade do espírito como indispensável para a vida é o alimento do corpo." (José Saramago).
E o mestre José Saramago ainda nos conta uma história ocorrida nas redondezas de Florença, quando os moradores de uma aldeia ouviram o ressoar ininterrupto do sino local e todos para lá se dirigiram a fim de saberem quem havia morrido, contudo, de repente, um velho camponês desce da torre da capela e ecoa tristonho para todos os aldeões: hoje não morreu ninguém, estou tocando o sino pela MORTE DA JUSTIÇA.
O motivo era que o marquês latifundiário, ganancioso e corrupto do lugar, estava avançando suas cercas sobre os lotes dos nativos, os quais, na esperança de serem protegidos procuraram as autoridades judiciais, no entanto não tiveram respostas. Os marcos e as cercas continuaram avançando.
Há dias que um nó na minha garganta me angustia, me deixa agudamente deprimido, foi a decisão da 3ª Turma do STJ, que considerou não ser crime a prática de conúbio sexual com crianças e adolescentes que já sejam iniciadas nessa intimidades e cheguei a pensar: “decisões judiciais que aviltam a cidadania, a consciência, violenta todos os nossos valores devem ser cumpridas? A minha resposta é não e não com toda a veemência que essa excrescência de sentença merece e também me pus em reflexão: e se fosse a filha de um ministro a vítima, a espada teria cortado do mesmo lado ou haveria uma inversão de entendimentos? Se a estuprada fosse a sobrinha querida da ministra relatora, a balança pesaria da mesma forma ou seus pesos seriam alterados?
Ilustrada ministra e demais votantes da aberrante decisão, aonde os senhores já viram crianças miseráveis, famintas, sem lares, sem famílias, sem orientação, sem esclarecimentos, sem formação religiosa, familiar, social, terem a compreensão e o entendimento para validarem suas vontades em transações com adultos portadores de sérios desvios de conduta? E se essas crianças, essas adolescentes não possuem tais preparos morais e éticos, é porque algum corrupto dos mais depurados palácios, tão bonitos e impressionantes como esse que Vossas Excelências fazem parte lhes roubou a oportunidade para tanto, e ao roubá-las, assaltou os seus direitos de ter discernimento para saber se é lícito, se é legal, se é moral, se é ético (seu mundo gosta de falar em ética) vender a sua pureza, o seu corpinho ainda em formação, anatômica, fisiológica e moralmente. Mas Excelências (gostam de ser tratados assim), como não é sua filha, a besta que comprar seus favores sexuais nada deve à justiça, pois comprou as carnes já corrompidas, experientes, criminosas, não mais ingênuas, conscientes e informadas (foi a senhora quem disse no seu voto) de alguém que marcha na multidão sem rosto, na procissão invisível dos injustiçados, dos periféricos, dos silva do amado solo brasileiro e por isto mesmo não é crime algum. Que coisa ministra, a menininha de rua pode vender suas partes pudendas que não é crime, foi seu pai ou sua mãe que lhe ensinou isto? A Filosofia, a Antropologia, a Teologia, tenho plena convicção, não foram responsáveis por essa sua formação desumana.
Sua decisão tem que ser colocada no banco dos réus da consciência moral e ética de todo o planeta, em todas as esferas de poder e de discussão da dignidade humana.
Seus votos me diz que os dignos ministros, tanto em São Paulo quanto em Brasília viram os olhos aos excluídos e tem formação preconceituosa com os desvalidos que suas canetas deviam proteger. Pergunto-lhes: a senhora e os senhores não sentem pudor e nem se incomodam com o que fizeram? Se responder não, confirmam as minhas fundadas insinuações.  
            A relatora desse insulto abjeto ao povo de bem deste país, é a mesma que manteve Pimenta Neves solto após condenação por crime de repercussão mundial, julgou não existir crime quando um estelionatário induz um juiz em erro e levanta valores à disposição da justiça e agora, de forma arrogante, vaidosa, autoritária, entendendo que a sua função lhe autoriza a tomar decisões insólitas, vergonhosas e criminalizadora da infância e adolescência pobre da nossa nação.
Admira-me alguns magistrados que libertam assaltantes, estupradores, assassinos, latrocidas, traficantes de todos os matizes se acobertarem para fazê-lo de alguns argumentos ou fundamentos como chamam, para colocar nas ruas tais celerados, quando tinham à disposição centenas de outras razões, além de todos os princípios jurídicos e sociais para os manterem no cárcere, às vezes inconformado penso: a vida, a honra, o patrimônio não são deles e nem dos que lhes são caros, de forma que devem raciocinar, se é que possuem razão: nada temos com isto, vocês que se virem, solto e pronto, se ele voltar a matar, problema de vocês.
Ora, se uma adolescente de 12 anos pode vender seu corpo, então pode praticar qualquer ato da vida civil, a exemplo de contrair empréstimo, comprar a crédito, obter financiamentos, vender o que dispuser, tudo é válido, se já não são mais inocentes, segundo os sábios ministros, cuja decisão, esta sim, estuprou a todos nós e sabem o que eles acham disto? Ficam zombando, rindo, debochando.
Concordo com a ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) que exclamou: “A decisão foi um salvo conduto à exploração sexual”.
Sou solidário a todos os lutadores pelo direito à cidadania que entendem que a proteção a quem ainda não tem capacidade de tomar decisões importantes é um DIREITO ABSOLUTO que não pode ser relativizado, como fez a decisão da ministra paulista e seus preclaros colegas da 3ª Turma.
É de se perguntar: uma adolescente, mesmo com experiência sexual possui experiência? É óbvio que não, ela é um ente em formação, ela não pode avaliar as conseqüências de se prostituir, ela necessita aprender, precisa de defesa e ao contrário do entendimento da ministra e seus seletos pares de vestes talares medievais, merecem sim, muito mais ainda, de todos os cuidados, de toda a proteção, já que o fato de se prostituirem é mais um estado de vitimização e não criminalização como fizeram.
Eu, um velho promotor que escrevo duramente contra adultos tarados, pedófilos, que trabalho 24 horas no combate a essas feridas que calam fundo na consciência de toda a gente, só posso exclamar: COM DECISÕES DESSE JAEZ, BREVEMENTE, URBI ET ORBI, OS SINOS RIBOMBARÃO EM TODO O TORRÃO VERDE AMARELO, NUM CHORO COPIOSO PELA MORTE DA JUSTIÇA, CUJA INUMAÇÃO SERÁ EFETIVADA COM SUAS TÚNICAS DO TEATRO MEDIEVAL. 

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