quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Lixo & Circo
 
Um problema ambiental crônico dos municípios paraibanos é a destinação inadequada dos resíduos, normalmente postos naqueles horríveis amontoados conhecidos como lixões, os quais, apesar de totalmente insalubres, acabam servindo de ambiente de trabalho e meio de subsistência para os mais desvalidos. Há anos o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e o Ministério Público têm cobrado das Prefeituras providências emergenciais para contenção desses focos de poluição e soluções definitivas para o problema, notadamente com a implantação de aterros sanitários (como foi feito em João Pessoa). Os gestores costumam alegar não terem condições de financiar tais medidas e que a melhor saída seria a criação de consórcios entre municípios próximos para construção de aterros compartilhados. O IBAMA, por sua vez, tem ajuizado ações na Justiça Federal para obrigá-los a tomar alguma iniciativa quanto ao assunto, inclusive tentando acordos que definam prazos razoáveis para tanto.

Ocorre que, desde 2010, a Lei 12.305 fixou prazo até agosto de 2014 para que todos os Municípios promovam a destinação adequada do seu lixo. No entanto, certos gestores não parecem nem um pouco preocupados com esse prazo, pois até agora, faltando menos de um ano para o seu término, nada fizeram de concreto sequer para planejar a construção de aterros sanitários. Certamente porque contam com a lentidão da Justiça, que não tem oferecido decisões e sanções ágeis para casos assim.


Nesse cenário, tive a curiosidade de verificar como andam as finanças de alguns dos municípios apontados pelo IBAMA como omissos em relação à implantação de uma regular política local de gerenciamento de resíduos e, para minha surpresa, constatei que neles não tem faltado dinheiro para gastos com festas municipais, shows e publicidade de variados tipos. Chega-se, p. ex., a cifras de mais de duzentos mil reais ao ano, valores que parecem maiores do que o necessário para eliminar os respectivos lixões. Portanto, invertem-se prioridades: antes de cuidar da qualidade do meio ambiente e da saúde pública, investe-se pesado na diversão e distração do povo. Nada contra investir em divulgação cultural e lazer popular, mas desde que com prudência e equilíbrio, diante de outras necessidades da comunidade. Afinal, qual é o pai de família de bom senso que gasta suas  economias com festanças quando ainda precisa sanear sua moradia para proteger a saúde dos filhos?


Todavia, dizem que eventos festivos municipais são ótimos para melhorar a imagem de gestores e, naturalmente, para captar intenções de voto, pois o povão adora um bom espetáculo, como já sabiam os imperadores romanos há séculos, quando ofereciam pão e circo para anestesiar as multidões. Já ouvi até que, no interior da Paraíba, quem colocar uma boa banda de forró para tocar de vez em quando, nem precisa ter programa de governo. No mais, basta usar com vigor a publicidade oficial e a reeleição é certa. Talvez aí esteja uma razão para tanta preocupação com o lazer dos munícipes, apesar do pouco cuidado com sua saúde.


Mas será que as coisas funcionam mesmo de forma prática e simples assim? Será que não estão subestimando o raciocínio desse público ávido por diversão e superestimando sua paciência com essa política, digamos, de “lixo e circo” para os desavisados. E se, de repente, esse povão se der conta de que o Prefeito gastou o dinheiro que serviria para sanear o lixão local (e para oferecer outros serviços públicos essenciais) com uma banda de forró em duas ou três apresentações (caríssimas por sinal)? E imaginem se juntar as peças e lembrar que, quando adquirir alguma doença decorrente de vetores associados ao lixo mal resolvido, não vai encontrar exatamente um atendimento de primeiro mundo no sistema de saúde local. E mais, que, depois do show, ainda sobrará mais um bocado de detritos para alimentar o velho e fétido lixão.

Pois é, essa situação me faz lembrar aquele famoso desfile da escola de samba Beija-Flor no carnaval carioca de 1989, sob a direção criativa do talentoso Joãozinho Trinta, com todos vestidos aos farrapos, cantando e dançando como se estivessem num lixão, o samba enredo que dizia “ratos e urubus, larguem minha fantasia”. Apesar do toque surreal daquela cena, ela serve de retrato perfeito da realidade dos aludidos municípios paraibanos. Pelo menos até que a população afetada saia do mundo da fantasia das bandas de forró e perceba que sua cidade está ficando mesmo rodeada de ratos e urubus, por causa da ineficiência dos governantes que elegeram, às vezes em troca de alguns poucos momentos de inocente diversão e perigosa ilusão.

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